O que seria um trabalho escravo nos dias atuais? Vamos entender a polêmica Portaria do Ministério do Trabalho (MTB) que ficou conhecida como a “Portaria do trabalho escravo”.
 
A Portaria do MTB de nº 1.129/2017 publicada em 16 de outubro de 2017 versa sobre o trabalho exercido na condição análoga à de escravidão e vem sendo alvo de inúmeros debates e discussões na mídia brasileira. Entretanto, antes de adentrarmos ao conteúdo das mudanças trazidas pela referida portaria, é necessário ter uma visão geral da evolução das portarias que versam sobre o tema. 
 
Em 2003 fora publicada a Portaria nº 1.153 de 13 de outubro, que versava “sobre os procedimentos a serem cumpridos pelos Auditores Fiscais do Trabalho nas ações fiscais para identificação e libertação de trabalhadores submetidos a regime de trabalho forçado e condição análoga à de escravo visando à concessão do benefício do Seguro Desemprego”. Referida Portaria não trazia em seu texto um rol do que seria ou não considerado um trabalho que possuísse condições análogas à de escravo. Em 2016 fora editada nova Portaria (nº 4 de 11 de maio daquele ano) e também não trazia um rol do que seria ou não um trabalho com condições análogas à de escravo.
 
Fato este demonstra que ficava ao critério do Ministério Público do Trabalho e de seus auditores entenderem o que seria ou não considerado um trabalho com condições análogas à de escravo. Impossível seria determinar previa ou preventivamente esse rol, tendo em vista que de diversas maneiras poderia ser considerado um determinado trabalho como sendo escravo, ou análogo a este.
 
O conceito de “trabalho em condição análoga à de escravo” era genérico, assim como o é no artigo 149 do Código Penal Brasileiro, que tomamos a liberdade de transcrever: “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.
 
Percebe-se que o intuito do legislador era justamente o de conceituar genericamente o trabalho em condição análoga a de escravo, tendo em vista que essa situação pode acontecer de inúmeras maneiras, não cabendo a ele a determinação de todas as possíveis situações.
 
Entretanto, com o advento da Portaria MTB nº 1.129/2017 o Ministro do Trabalho restringiu o entendimento do conceito acima exposto, trazendo uma taxatividade para o enquadramento do trabalho em condições análogas à de escravo.
 
Em resumo, para o trabalho se enquadrar neste conceito, segundo a portaria atual, se fará necessário o preenchimento de 04 requisitos, quais sejam:
 

  • O trabalhador ser submetido ao trabalho exigido sob a ameaça de punição com a utilização da coação, sem que haja voluntariedade para tal;
  • O trabalhador perder seu direito de locomoção e de ir e vir por utilização de qualquer meio de transporte;
  • A utilização de manutenção de segurança armada com o intuito de prender o trabalhador no seu local de trabalho;
  • A retenção da documentação pessoal do trabalhador, com o intuito de prender o trabalhador no seu local de trabalho.

 
Desta forma, resta demonstrado que, para a caracterização do trabalho em condições análogas à de escravidão, se faz necessário o preenchimento cumulativo dos requisitos apresentados, bem como torna restrito o conceito do referido trabalho.
 
Os especialistas que defendem esta Portaria neste sentido, alegam que o conceito genérico é demasiadamente vago e subjetivo, e que essas alterações são positivas, posto que assim trarão mais segurança aos empregadores brasileiros, não dependendo assim do entendimento subjetivo das pessoas que podem vir a fiscalizar suas empresas.
 
Em contrapartida, a alegação dos especialistas que são contra a Portaria é a de que a restrição do conceito não acompanha o direito contemporâneo, pois hoje a escravidão é mais sutil do que nos séculos passados, tendo em vista que a liberdade por muitas vezes não está ligada apenas a locomoção, mas sim a um aspecto financeiro e econômico, contrariando inclusive decisões do Supremo Tribunal Federal.
 
Além da restrição do conceito do trabalho em condições análogas à de escravo, a Portaria também inovou em duas situações, determinando que as fiscalizações devam ser feitas apenas na presença de policiais, e que as listas de empregadores que submeteram trabalhadores às condições análogas à de escravo serão divulgadas apenas pelo Ministro do Trabalho e não mais pelo corpo técnico do ministério. E ainda nesse sentido, para que seja incluído o empregador nessa lista, deverá haver um Boletim de Ocorrência acerca dos fatos.
 
Logicamente, a previsão da nova portaria não agradou a todos, pois parecia permitir o trabalho escravo em modalidades outras que não aquelas definidas no texto legal. Por conta disso, o Poder Judiciário foi provocado para avaliar a questão.
 
Nesse sentido, a Ministra Rosa Weber acatou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (n. 489) proposto pela Rede Sustentabilidade e com isso suspendeu os efeitos da Portaria liminarmente, ou seja, sem ouvir a parte contrária, qual seja o Ministério do Trabalho, muito embora, ao final tenha requisitado que o referido Ministério preste informações e que na sequencia seja dado vista a Advocacia-Geral da União e Procuradoria-Geral da República.
 
Independente de quaisquer opiniões, o presente texto visa apenas elucidar as questões alteradas pela Portaria e apresentar os dois lados do debate, visando o esclarecimento da população e dos clientes acerca do relevante tema.
 
Anna Beatriz Pacheco Hummel
Sávio Augusto Marchi dos Santos Silva

EQUIPE TRABALHISTA
CMO ADVOGADOS