Quem vende uma empresa pode concorrer com quem compra?

A “compra e venda” de uma empresa revela a alienação de “fundo de comércio” que é modalidade corriqueira desse tipo de contrato, ocorrendo quando a compra diz respeito não somente ao estabelecimento comercial em si, pois a aquisição alcança desde a marca do fundo de comércio até sua carteira de clientes, estoque e mão de obra, por exemplo.

Por isso, o Código Civil se preocupou em disciplinar um dos assuntos mais importantes deste tipo de negociação: se quem vende pode concorrer com quem compra a empresa.

Em se tratando de direito disponível, há espaço para livre negociação para fixação do prazo da cláusula de não concorrência, ou até mesmo, o afastamento de tal obrigação de não fazer (não concorrer) do contrato de compra e venda de empresa, contudo, a desobrigação do vendedor do dever de não concorrer deve ser expressamente prevista no contrato.

A regra prevista na lei é clara: salvo acordo em contrário quem vende não pode concorrer com quem compra por no mínimo cinco anos após a alienação. Tal conclusão é consequência do artigo 1.147 do Código Civil: “Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência”.

A intenção do legislador foi explicitar a boa-fé, por meio da confiança que deve pautar a relação. Ora, não seria razoável que eu adquirisse uma empresa, com clientes, estoque, produtos, para que, na semana seguinte, o antigo dono da empresa fizesse frontal concorrência a mim – captando os clientes de sua antiga empresa, barganhando benefícios juntos aos fornecedores que o atendiam na empresa que me vendera etc.

Ao adquirir um estabelecimento comercial, mesmo diante do silêncio da minuta do contrato de trespasse (compra e venda), o adquirente tem de modo legítimo, a confiança de que aquele que vendeu o fundo de comércio (empresa) não irá concorrer consigo. Principalmente, porque é muito provável a hipótese da clientela do estabelecimento objeto da venda acompanhar o vendedor, deixando de demandar serviços ou produtos do estabelecimento adquirido e impedindo, por isso, o adquirente (comprador) de obter satisfatório retorno do investimento realizado.

Portanto, quando o vendedor, de maneira deliberada, concorre com o fundo de comércio (empresa) vendido, ele exterioriza comportamento contraditório ao esperado – que é a exploração plena do negócio pelo comprador – e isso fere a confiança do adquirente.

É comum encontrar situações jurídicas em que o vendedor volta a atuar no segmento de mercado, concorrendo deslealmente com o comprador. Situações assim já foi objeto de provocação do Poder Judiciário que reprimiu a conduta. A título de exemplificação segue o seguinte julgado:

“(...) A vedação ao não reestabelecimento nos cinco anos subsequentes à alienação do estabelecimento resulta de norma legal positivada no art. 1.147 do CC/02. Disso decorre que o silencio do contrato não favorece o alienante do estabelecimento, mas, ao contrário o sujeita à vedação da norma de natureza dispositiva. O Código Civil de 2002 apenas positivou entendimento já consolidado na doutrina e na jurisprudência. Não havendo autorização expressa no contrato é vedado ao alienante do estabelecimento fazer concorrência com o adquirente pelo prazo de cinco anos. 4. As partes celebraram em 12 de março de 2.012 contrato de “Compromisso de Compra e Venda com Termo de Cessão de Direitos e Obrigações”, cujo objeto se encontra descrito como bens móveis e utensílios usados, situados na Rua Ceará, 326, centro, Catanduva SP, para atividade de embelezamento de animais domésticos, banho e corte, pelo valor de R$ 25.000,00 (fls. 31/33). Decorridos três meses da alienação, o requerido, irmão da apelada, abriu estabelecimento comercial no mesmo ramo a 300 metros do estabelecimento cedido pela irmã. Porém, manteve seu cargo de gerente industrial em empresa de ramo diverso, e sua irmã, passou a trabalhar no novo negócio. Destaque-se que o simples exercício da mesma atividade no mesmo contexto territorial pelo alienante, formal ou informalmente, de boa-fé ou má-fé, inevitavelmente levará ao desvio de clientela, de modo a configurar concorrência desleal. O objetivo da regra é preservar os interesses do adquirente, de modo que este possa explorar atividade empresarial reduzindo o risco de não obtenção de retorno satisfatório do seu investimento, como resulta  deste caso. No caso, a alienante não exercia a mercancia em nenhum outro estabelecimento até celebrar o contrato de trespasse. Em ato contínuo se transferiu para o estabelecimento recentemente constituído em nome de seu irmão e lá, ilicitamente, prosseguiu na mesma atividade a que já se dedicava. 9. Nessas circunstâncias, ao fazê-lo, incorreu em violação positiva do contrato, de modo a oportunizar a ação judicial pela parte prejudicada, requerendo a cessação dos atos de concorrência desleal. Tal pedido, contudo, ficou prejudicado por fato superveniente, qual seja, a bancarrota do estabelecimento da autora, que cerrou as portas. Configurada a prática de concorrência desleal e o consequente desvio clientela, evidente que a autora experimenta danos materiais indenizáveis (...)”(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível 0003940-14.2013.8.26.0132. Desembargador Relator Francisco Loureiro. Julgado em 16 de março de 2016) sem destaques no original.

Do julgado acima verificamos a gravidade da concorrência realizada pelo vendedor de um estabelecimento comercial, que pode levar o comprador à falência – o que não pode ser admitido.

Por isso, podemos concluir, após esse brevíssimo apanhado, que o vendedor de uma empresa não pode concorrer com o comprador da mesma empresa, a menos que isso seja acordado entre eles e expressamente previsto no instrumento contratual de compra e venda (também chamado de trespasse).

Direito empresarial

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