Nos últimos anos, tem-se debatido amplamente sobre os direitos das pessoas transexuais e transgêneros no Brasil, especialmente no que diz respeito ao acesso à saúde e à cobertura de procedimentos médicos essenciais para seu bem-estar físico e mental.
 
Um dos pontos cruciais desse debate é a obrigação dos planos de saúde em cobrir a cirurgia de mudança de sexo, conhecida como cirurgia de redesignação sexual, e a plástica mamária com implantação de próteses para mulheres transexuais.

A discussão ganhou destaque na esfera jurídica e na sociedade em geral, culminando na importante decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em processo no qual uma mulher transexual buscou obrigar a operadora de plano de saúde a pagar pelas cirurgias. Em sede de recurso especial, a operadora alegou que o tratamento não seria de cobertura obrigatória, uma vez que o procedimento de mudança de sexo é experimental, sendo, inclusive, disponibilizado pelo SUS com esse caráter. Sustentou também que a cirurgia plástica mamária possui cobertura somente para tratamento de câncer, e o implante pretendido pela autora da ação seria estético.

Nesse sentido, a partir do entendimento de que tais procedimentos são reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e foram incorporados ao SUS para o processo transsexualizador, o STJ entendeu que não podem ser classificados como procedimentos experimentais ou estéticos (acórdão no REsp 2.097.812).

Vale destacar, ainda, a explicação da Min. Nancy Andrighi, relatora no caso citado: "Muito antes de melhorar a aparência, visa, no processo transexualizador, a afirmação do próprio gênero, incluída no conceito de saúde integral do ser humano, enquanto medida de prevenção ao adoecimento decorrente do sofrimento causado pela incongruência de gênero, pelo preconceito e pelo estigma social vivido por quem experiencia a inadequação de um corpo masculino à sua identidade feminina".

Não obstante, no mesmo sentido é o entendimento da OMS, de que o desejo de "transição" para a pessoa viver e ser aceita conforme o gênero vivenciado, seja por meio de tratamento hormonal, intervenção cirúrgica ou outros serviços de saúde, alinhando o corpo tanto quanto desejar ao gênero vivenciado.
 
A interpretação sobre quais procedimentos estão inclusos nessa cobertura tem sido objeto de controvérsia, especialmente no que diz respeito às cirurgias de redesignação sexual. Muitos planos de saúde têm se recusado a custear tais procedimentos, argumentando que não são considerados essenciais ou urgentes para a saúde dos pacientes.

Com essa decisão, o STJ reafirmou o compromisso do Estado brasileiro com os direitos humanos e com a garantia da saúde e dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero. Além disso, estabelece um importante precedente jurídico, orientando os tribunais inferiores em casos semelhantes e fornecendo segurança jurídica para as pessoas transgêneros que buscam acesso a esses procedimentos.

Em suma, a decisão do STJ consolida o entendimento de que as cirurgias de redesignação sexual são parte essencial do tratamento para pessoas transgênero e devem ser custeadas pelos planos de saúde, em conformidade com a legislação brasileira e os princípios constitucionais de igualdade e dignidade humana.

RAPHAELA MONTEMOR
EQUIPE CONSUMIDOR